Prezado(a)s amigo(a)s e investidore(a)s,
Em dezembro, o cenário global se afastou mais um pouco da percepção de estagflação que ditou os preços de ativos durante a maior parte de 2022. Pelo segundo mês consecutivo, a inflação americana se mostrou mais baixa que as expectativas, consolidando as condições para uma desaceleração no ritmo de altas de juros pelo Fed. Na Europa, os índices de gerentes de compras (PMIs) seguiram indicando desaceleração da velocidade de queda da atividade e menor inflação de manufaturados. Por fim, mesmo em meio a, provavelmente, sua pior onda de contaminação por covid-19, a China seguiu flexibilizando medidas sanitárias, marcando uma reabertura muito mais rápida e desordenada do que se imaginava há poucos meses.
Com esses desenvolvimentos, se a perspectiva para o início de 2023 ainda está longe de ser otimista, ficaram mais distantes riscos de novas reprecificações de juros americanos e de crescimento global. A moderação do Fed, o Banco Central Europeu disposto a avançar mais nas altas de juros e o Banco do Japão anunciando antes do que se imaginava a flexibilização de sua política de controle de curva de juros contribuíram para a continuação do movimento global de queda do dólar iniciado em outubro.
No Brasil, o Congresso aprovou uma versão da PEC de Transição que reduziu, com relação ao texto inicial votado no Senado, o tamanho dos gastos por fora do teto e a vigência desta exceção (para cerca de R$150 bilhões por apenas um ano).
Consequentemente, devemos ter um déficit primário em 2023 ao redor de 1,5% do PIB e a necessidade de espremer, no primeiro semestre, toda a negociação política necessária para a montagem do orçamento de 2024, a ser apresentado em agosto. Nessa negociação devem entrar as discussões de volta de impostos cortados em 2022, parte da reforma tributária, a construção do novo arcabouço fiscal e, por fim, a própria proposta orçamentária.
Basta passar os olhos por essa lista para concluir que seguirá havendo muito espaço para a política ditar o humor dos mercados locais, como ocorreu ao longo de novembro e dezembro – fato ressaltado pela grande divergência entre o desempenho de ativos brasileiros e o de seus pares no mundo emergente. Seguimos acreditando que, não sem derrapadas, o novo governo irá optar por sinalizar um compromisso com uma trajetória sustentável da dívida, e que isso abrirá espaço para cortes nos juros básicos em 2023. Nossa mais recente atualização de cenário levou a uma projeção de inflação de 2024 mais próxima a 4% (de 3,5% no início de dezembro), que, junto com a consolidação da expectativa de uma taxa de juros real neutra mais alta (ao redor de 5%) nos fez ajustar nossa expectativa de cortes de juros para uma trajetória mais moderada (de 325pb para 200pb) e concentrada no segundo semestre, levando a uma Selic mais alta no final de 2023 (11,75%) e no final do ciclo (de 8,5% para 9,5%).
Um adendo sobre as possíveis “derrapadas”: não há, na equipe econômica anunciada ao longo de dezembro, um nome que reúna poder (ou influência, ao menos) e claro comprometimento com uma agenda fiscal ortodoxa. Vários dos seus membros parecem acreditar que o ajuste fiscal deve ser feito, sobretudo, pelo lado do denominador dos principais indicadores – o PIB nominal. A intenção, claro, é fazê-lo aumentando o PIB real com inflação controlada; o resultado pode ser a combinação de crescimento fraco com inflação alta que vimos na era Dilma. Com o que sabemos hoje, é impossível ignorar um cenário desse tipo. Mesmo que ele não seja dominante – em nossa opinião, pelos seus custos econômicos e políticos e algum aprendizado do passado – as dificuldades demonstradas na formação dos ministérios e o apreço pouco velado de alguns membros influentes do PT (incluindo do presidente Lula) por uma condução da economia muito mais parecida com a dos anos Mantega que com a dos anos Palocci deve seguir gerando ruído e complicando a execução da agenda necessária de consolidação fiscal.
Durante janeiro, devemos ter novos sinais importantes da direção a ser seguida, dentre os quais destacamos dois: primeiro, o novo Ministério da Fazenda deve começar a delinear o desenho do novo arcabouço fiscal, explicitando qual combinação de cortes de gastos, aumento de impostos e premissas para variáveis macroeconômicas levará a uma trajetória não-explosiva da relação dívida/PIB. O mercado julgará esta combinação pela sua operacionalidade e plausibilidade com relação ao que exigirá do Congresso e do cenário econômico. Segundo, a nomeação do substituto para a importante cadeira de Diretor de Política Monetária do Banco Central (o mandato do diretor atual termina em fevereiro) indicará a disposição do presidente Lula de cooperar com o atual presidente do BC e de manter a linha ortodoxa da instituição. Acompanharemos esses eventos com atenção e flexibilidade para seguir ajustando cenários e posicionamento.
Obrigado,
Luciano Sobral, economista-chefe da Neo.
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