Cartas do Gestor – Maio 2023

Share on linkedin

Prezado(a)s amigo(a)s e investidore(a)s,

Ao longo de maio, houve uma mudança notável na percepção do mercado brasileiro sobre a economia e os preços de ativos do próprio país. Se no início do ano veríamos um governo de esquerda implementando uma política fiscal irresponsável, com riscos de alta permanentes para a inflação e baixíssimo potencial de crescimento, a narrativa predominante agora é que o arcabouço fiscal evitará o descontrole das contas públicas e a inflação projetada seguirá sendo revisada para baixo, mesmo com uma atividade econômica resiliente.

Parte desse otimismo é fruto do comportamento recente dos preços de commodities. No ano até o final de maio, os preços no mercado doméstico de boi gordo, soja, milho e arroz caíram, respectivamente, 15%, 27%, 38% e 10%. Os preços internacionais do trigo e do petróleo, convertidos para reais, caíram, no mesmo período, 28% e 19%. Com isso, a inflação de alimentação no Brasil deve desacelerar de 13% em 2022 para algo abaixo de 2,5% em 2023 e o governo pôde recuperar a tributação de combustíveis com impacto menor nos preços ao consumidor. Choques de preços globais, por definição, não são sempre desfavoráveis, e estamos agora vendo a reversão de parte da causa da inflação de preços livres muito alta no ano passado.

Outra reversão de exageros do passado tem sido observada, globalmente, no setor de manufaturados. Há vários meses as leituras dos índices de gerentes de compras (PMIs) e produção industrial de grandes exportadores têm mostrado fraqueza, provavelmente por conta da forte queda na demanda por bens.

Isso também favorece a desinflação: no Brasil, o núcleo de industrializados no IPCA deve passar a subir 3,5% este ano (de 14% em 2022). Tudo considerado, nossa projeção da inflação cheia para o ano está em 5,6%, podendo ser mais baixa caso o preço do petróleo mantenha-se ao redor dos US$70/barril atuais.

Quanto à atividade econômica, fomos surpreendidos, juntamente com boa parte do mercado, com o desempenho excepcional (mesmo já levando-se em conta projeções de forte alta da safra) do setor agropecuário no primeiro trimestre. O crescimento de quase 19% com relação ao mesmo período do ano passado nos levou a revisar a expectativa de variação do PIB neste ano para 1,7% (de 1,4%). Seguimos cautelosos com o desempenho dos demais setores da economia, sobretudo por conta dos juros reais muito altos e da forte contração na concessão de crédito presente nos dados mais recentes.

No fiscal, seguimos céticos quanto à capacidade do governo entregar as metas fixadas para o resultado primário – mais ainda após observar a extrema dificuldade que o governo teve em sustentar no Congresso as Medidas Provisórias que caducariam no início de junho. Parece pouco provável que o Executivo terá condições de impor ao Congresso sua versão da reforma tributária e outras medidas que impliquem em aumento de arrecadação. Devemos ver uma reforma fragmentada, com muitas exceções e de impacto agregado na economia altamente incerto. Em resumo, deve seguir sendo muito mais fácil aprovar aumentos de gastos do que as contrapartidas em receita.

Os preços de mercado passaram a refletir esse otimismo (ou, mais provável, levaram a essa reconstrução de narrativa), de forma que posições aplicadas em juros locais passaram a ser muito menos atrativas. Nosso cenário de Selic a 10% ao final de 2024 já está totalmente precificado na curva pré-fixada; movimentos maiores agora, na nossa opinião, estão condicionados a uma boa reação das expectativas de mercado ao processo de definição das metas de inflação que ocorrerá no final deste mês. Há ainda bastante prêmio nos juros mais longos, mas não vemos mudanças além das conjunturais que justifiquem uma compressão mais forte.

No resto do mundo, o mês também foi de movimentos grandes nos preços de mercado. O “equilíbrio instável” nos juros americanos que descrevemos no mês passado pendeu na direção do nosso cenário, com Fed Funds precificados no final deste ano voltando a perto de 5% (de 4,3% em abril). Com isso, o dólar voltou a se fortalecer contra a maioria das moedas que acompanhamos. Enquanto novos eventos como o do SVB não se repetirem, o mercado deve seguir precificando o cenário de ‘soft landing’, com a inflação caminhando para 2% até o final de 2024 sem a necessidade de o Fed provocar uma recessão. O nível de juros parece de fato adequado, mas temos menos convicção de que a economia seguirá reagindo de forma ordenada aos juros reais mais altos desde a crise de 2008.

Obrigado,

Luciano Sobral, economista-chefe da Neo.

 

Acompanhe os relatórios de gestão da Neo:

Neo Multimercado 30

Neo Provectus I

Neo Argo Long & Short

Neo Argo Equity Hedge